29 de outubro de 2008

Será que é assim?

Suponhamos uma família pobre e uma criança nela habitando. Não há comida. Para a criança, há sensação desagradável que logo cedo chama de fome e vontade de comer. Não há avaliação. Há reclamos, choramingos, que a depender da mãe, da família, recebe porrada ou compreensão, pequenas e poucas palavras de afago para que possa suportar a dor. Engana-se o estômago. papel ou barro. Não há explicação. A criança sente. Sente e reclama. É do vivo sentir. Não há explicação. Não há transcendência. A criança vive na imanência das sensações e dos seus efeitos corporais. Alguém então diz: você nasceu para o sofrimento. É uma explicação. O mundo das idéias começa a ser habitado. Nasceu para o sofrimento. Mas no plano do corpo não há sofrimento, há sensações. A própria sensação da fome. Um vazio, um silêncio. Algo dentro que se filia a um fora que rápido pode ser esquecido levado pelo brinquedo. Mas os adultos podem derramar desde cedo nos ouvidos das crianças transcendências, explicações. Normalmente é assim. E normalmente derramam uma explicação negativa da vida, derramam uma linguagem negativa da existência: um mar de dor e sofrimento. Mas trata-se apenas de uma explicação, de uma transcendência, de uma composição de idéias. E tudo isso a golpes de quê? Às vezes de força, às vezes de ritornelos laureados de carinho e lamentos. Produz-se e socializa-se um modo negativo de sentir a vida e de vivê-la.

27 de outubro de 2008

O Corpo sem Órgãos e a articulação com conceitos de Carlos Castaneda

Depois de muito tentar fazer o login com uma senha que já não recordo mais, re-fiz essa representação tecnológica para re-tornar às discussões e exposições desse espaço virtual/produtivo. Passo por aqui já me antecipando um pouco, se formos falar de tempo novamente tenho o receio de repetir os mesmos argumentos já antes postados por colegas, mas enfim, falar sobre o corpo e o movimento me ficou mais fácil quando re-li o trecho de Mil Platôs volume 3 onde Deleuze e Guattari falam sobre o Corpo sem órgãos, prefiro me ater somente às discussões em torno das obras e dos conceitos de Carlos Castaneda autor que esses últimos fazem referência no capítulo da obra supracitada. Nessa articulação de conceitos o que Deleuze e Guatarri preferem destacar na obra de Castaneda é a relação entre o tonal e o nagual, desenvolvida em Porta para o Infinito. O tonal, diz Castaneda, ou diz Dom Juan, ou diz Castaneda através de Dom Juan, é o organismo, a organização, o significado, o que pode ser explicado, interpretado, e também o Eu pessoal. "Numa palavra", dizem os autores, "o tonal é tudo, inclusive Deus, o juízo de Deus, visto que ele 'constrói as regras por meio das quais apreende o mundo, logo ele cria o mundo, por assim dizer'."
No entanto, mesmo sendo tudo o que faz parte da nossa realidade, realidade que ele mesmo constrói com suas regras e organizações, o tonal não passa de uma ilha no oceano do nagual: "Porque também o nagual é tudo. E é o mesmo todo, mas em condições tais que o corpo sem órgãos substitui o organismo, a experimentação substitui toda interpretação, da qual ela não tem mais necessidade."
É o tonal que fabrica os estratos. "O nagual, ao contrário, desfaz os estratos. Não é mais um organismo que funciona, mas um Corpo sem Órgãos que se constrói." O ponto que Dom Juan, ou Castaneda através de Dom Juan, ou Castaneda, enfim, o ponto que ele frisa e que parece importante aos autores sublinhar é que o tonal não pode, não deve ser destruído de um único golpe, mas aos poucos. "Porque um nagual que irrompesse, que destruísse o tonal, um corpo sem órgãos que quebrasse todos os estratos, se transformaria imediatamente em corpo de nada, autodestruição pura, sem outra saída a não ser a morte.
Don Juan tenta convencer Castaneda de que o Tonal pode ser mais ou menos fluido, mas o segundo está distraído demais com seu conjunto de problemas conceituais e epistêmicos. Segundo don Juan, o verdadeiro problema do antropólogo é que ele crê dispor de muito tempo. Todos nós, homens comuns, temos o mesmo problema. O Tonal não quer assumir que o seu reinado é passageiro, e por isso nos apegamos a nossa duração. Nós, Tonais Individuais, estamos presos ao Tonal de nosso Tempo. Sejamos ainda mais enfáticos: nós ocidentais estamos presos à idéia de tempo . assim como à idéia de espaço, de eu, de corpo, de alma, etc.... de nosso Tonal
Coletivo.
Sinceramente espero não ter me distanciado muito do cerne das discussões do grupo/blog, mas a reflexão sob essa ótica facilitou para mim o entendimento de conceitos outros que talvez, vistos/experimentados sob outros olhares se tornem mais próximos.
Asta la Vista!!

18 de outubro de 2008

Alcool e outras drogas na contemporaneidade.

Nessa ultima terça começamos nossas rodas de conversas sobre as temáticas que, nós alunos, propusemos. Como primeiro tema tivemos "Álcool e outras drogas na contemporaneidade". Foi uma discussão muito legal e muito proveitosa. Creio que conseguimos trazer para a discussão variados pontos que atravessam essa questão. Mas teve um que para mim acabou sendo pouco explorado e que por esses dias fiquei remoendo ele e resolvi escrever por aqui, até para dar uma reavidada nesse nosso espaço de discussão.

Sempre que me pego pensando nessa temática, um dos pontos que gosto de discutir é sobre a relação que se estabelece entre o usuário e a droga - Desde já quero deixar claro que quando estiver usando a palavra droga, estou me referindo a substancias psicoativas ou narcoticas, como o alcool, maconha, crack, etc... Como se dá isso? O uso de qualquer substância que venha a provocar uma modificação no funcionamento de um corpo requer que este tenha um outro tempo para vivenciar essa experiência. E é nesse ponto que quero fazer minha viagem.

As experiências com drogas em outros tipos de sociedades perpassam todo um ritual, toda uma preparaçao de um corpo para passar por esse tipo de vivência. Sejam rituais xamánicos, do saint-daime...esses utilizam-se das substancias alucinogenas para entrar em contato com seus guias espirituais..mas nao é bem disso que quero falar. Ao entrar nessa vivência, o tempo que cotidianamente eles estao acostumados a "seguir" é, vamos dizer, desprezado. Outra forma de encarar o tempo é construída. Um tempo que permita uma relação entre usuário e substancia, onde estes possam produzir algum sentido frente àquela experiência. O uso da droga está ligado a esse tempo, a um certo espaço (nao necessariamente geográfico, produz-se espaços múltiplos de passagem desses corpos) e de uma certa forma já se tem um sentido prévio para o uso.

No nosso modo de viver, vejo essa experiência como diferente. Cada vez mais nos é exigido um ritmo de vida no qual devemos está constatemente fazendo upgrades do que nos dizem ser importante para vivermos: é adquirir o novo mp7; o mais novo laptop da dell, com windows vista (q por sinal é uma bosta hehhe); saber como está a cotaçao da bolsa de tóquio (sendo assim, é bom ficar acordado de madrugada para acompanhar o pregão hehe); quem é o mais novo ídolo das telinhas; e por ai vai...vivemos num ritmo cada vez mais veloz, onde as coisas nos chegam cada vez de uma forma mais fácil e cômoda, porém da mesma forma que nos chegam, elas se vão. Passamos pelos espaços que nos rodeiam, mas não percebemos, não afetamos e nem somos afetados por eles. É como se toda essa velocidade imposta pela forma que vivemos produzisse cada vez mais corpos que somente passam, não se olham, não se cheiram, não se tocam. Afinal essas coisas exigem dos corpos um tempo que não se permite mais perder. Time is money...e money, it's a hit já diria Roger Waters e a galera do Pink Floyd...e é ai nisso que vejo uma das grandes questões referentes a problemática que envolve o uso de algumas drogas. Tempo!!

Drogar-se exige um outro tempo que não o que se está instituído. A experiência com a droga nos possibilita entrarmos ou produzirmos outros tempos, outros espaços...mas como vivenciar isso, se estamos acostumados a um tempo imediatista, onde nada pode ser desperdiçado? Se temos como forma de vida uma base no tempo imediatista, vamos esperar que nossas experiências, sejam elas relacioanadas a drogas, amizade, sexo, estudos, vão pelo mesmo caminho. Por isso que vejo que não é a toa o sucesso de drogas como o crack, onde o efeito se dá de uma forma imediata e com um força incrível. Posso dizer que tem muito a ver com o modo que vivemos ou somos disciplinados a viver, onde as coisas perdem uma potencia de produção de sentido, mas ganham uma força de uso e abuso, só que de uma forma não nos mexamos, que fiquemos em nossa posição cômoda e passiva.

"The time has gone, the song is over"
só que no meu caso acho que, por enquanto, não tenho mais nada a dizer :P. Espero o comentário de quem lê isso aqui.


P.s.: quem quiser ler isso ouvindo o Dark Side of The Moon do Pink Floyd, acho que seria uma boa heheheh